Quando Ser Homem É Sinônimo de Suportar em Silêncio
Desde a infância, muitos homens são ensinados a reprimir o que sentem. Frases como “engole o choro” ou “homem de verdade não sente medo” se tornam regras tácitas de uma masculinidade forjada no silêncio e na negação da dor. O resultado é uma cultura que não apenas normaliza o sofrimento masculino, mas o exige — como se suportar calado fosse uma virtude.
O filósofo francês Albert Camus escreveu: “O homem é a única criatura que se recusa a ser o que é.” E talvez, por medo de parecer frágil, muitos homens tenham se recusado a ser inteiros. Tornaram-se apenas a metade que luta, aguenta, protege — mas nunca a que sente, chora ou pede ajuda.
Essa construção social aparece com clareza em personagens que refletem esse arquétipo da força silenciosa.
Guts (Berserk)
Guts é o símbolo de uma masculinidade ferida. Crescido em meio à violência, é moldado pela brutalidade do mundo ao seu redor. Sua espada carrega a fúria, mas também a dor que nunca pôde verbalizar. Ele não fala sobre seus traumas — ele os atravessa, dia após dia. Guts não representa apenas um guerreiro: ele é o retrato do homem que aprendeu a resistir como forma de sobreviver, mesmo que isso signifique se destruir aos poucos.
Naruto Uzumaki (Naruto)
Naruto é o garoto que sorri para esconder a dor. Sua infância foi marcada pelo abandono, pela invisibilidade e pela fome de afeto. Ele representa os que, mesmo rejeitados, insistem em serem vistos. A máscara da alegria esconde o peso de carregar um fardo que ninguém reconhece. É a personificação de tantos homens que, ao serem ensinados a esconder o que sentem, se tornam mestres em disfarçar a solidão.
Joel Miller (The Last of Us)
Joel é o reflexo de um mundo onde sobreviver é mais importante do que sentir. A perda de sua filha o silencia — e esse silêncio ecoa por toda a sua jornada. Ele ama, mas não diz. Ele sofre, mas não mostra. Sua masculinidade é marcada pela proteção, mas também por um isolamento emocional que o afasta do mundo e de si mesmo. Em Joel, vemos o preço que se paga por ser homem num mundo onde vulnerabilidade é sinônimo de fraqueza.
A filósofa Simone de Beauvoir afirmou: “Não se nasce mulher: torna-se mulher.” A mesma lógica pode ser aplicada aos homens: não se nasce homem — torna-se, de acordo com um modelo imposto e muitas vezes desumano. Tornamo-nos o que nos é permitido ser. E quando o sentimento é negado, a humanidade também é.
A masculinidade tradicional cobra silêncio, resistência e autocontrole. Mas a que custo? Segundo dados da OMS, homens são maioria nas estatísticas de suicídio no mundo. A pressão para manter uma imagem de força, mesmo quando se está em ruínas, tem sido fatal.
Como Friedrich Nietzsche escreveu: “Aquele que tem um porquê para viver pode suportar quase qualquer como.” Mas como encontrar esse “porquê” quando até mesmo o direito de sentir é negado?
O silêncio não é virtude quando fere.
A verdadeira coragem está em permitir-se sentir, falar, se mostrar. Está em romper o ciclo e reconstruir, pouco a pouco, uma nova forma de ser homem — uma forma mais humana, mais livre e mais consciente.
Chegou a hora de abandonarmos a ideia de que suportar em silêncio é sinal de honra. O silêncio que isola, que sufoca e que adoece não é força — é opressão.
Ser homem não é suportar tudo calado.
Ser homem é ter o direito de ser inteiro.
Interessante o texto e a brincadeira em trazer personagens da cultura popular. Muito massa!! Há dois dias publiquei um texto que acredito que possa contribuir para o debate. Uma análise do filme Oeste Outra Vez, que é um longa que vai trabalhar justamente essas questões da masculinidade. No texto também trago uma perspectiva histórica da construção desse conceito.
https://open.substack.com/pub/pedrohlima/p/a-performance-da-masculinidade-e?r=5hdsly&utm_campaign=post&utm_medium=web&showWelcomeOnShare=false
Você é foda 💪